O Ministério da Agricultura ampliou de 110 para 140 dias consecutivos a janela de plantio da soja em algumas regiões do Brasil e permitiu a instalação de lavouras da oleaginosa até fevereiro em Mato Grosso, Goiás, Pará, Minas Gerais, Rondônia, Acre, Ceará, Distrito Federal, Tocantins e São Paulo. A medida atende ao pleito dos agricultores que querem produzir a própria semente e precisam realizar a semeadura mais tarde que o período habitual - até 31 de dezembro.

O novo calendário, no entanto, desagradou a um conjunto de pesquisadores, sementeiros, indústrias químicas, órgãos de defesa agropecuária de alguns Estados, lideranças do setor e até produtores rurais. Eles alegam que a medida eleva o risco de proliferação no país da ferrugem asiática, principal doença da cultura, e que a decisão não teria sido baseada na ciência, o que lhes causou estranheza e surpresa.

A definição das datas de plantio não teve o aval científico da Embrapa, braço do Ministério da Agricultura. A estatal mantém o posicionamento contrário à liberação do cultivo tardio de soja em razão do “grande risco” que a extensão da “ponte verde” (sequência ininterrupta de lavouras a campo) traz para a sustentabilidade da produção.

Segundo a Embrapa, o período ideal para a semeadura da soja é entre outubro e novembro na maior parte do país. “O impacto [da extensão da janela de plantio] no manejo da ferrugem asiática da soja pode ocorrer no médio e longo prazo, principalmente se o processo de aceleração da queda de eficiência dos fungicidas for potencializado”, informou, em nota.

A estatal diz que a redução de eficácia dos defensivos tem sido constatada em pesquisas com outras 20 instituições e que isso é um alerta, pois pode resultar no “aumento dos custos de produção para toda a cadeia e perdas de produtividade crescentes”.

O primeiro calendário havia sido publicado no início deste mês. Ontem, o ministério voltou atrás e reduziu os intervalos de plantio de alguns Estados, como Mato Grosso do Sul e Bahia, que pediram a alteração. As associações de produtores baianos disseram, em nota técnica, que “a manutenção dessa medida ocasionaria o estímulo ao plantio de uma ‘safrrinha’ de soja irrigada que, certamente, culminaria na promoção da resistência dos fungos aos fungicidas existentes, inviabilizando em um tempo breve o cultivo da soja na região”. A Aprosoja-MS e o governo de Mato Grosso do Sul solicitaram retificação da data, que havia sido recebida “com surpresa”.

Outras agências de defesa sanitária estaduais também discordam da extensão do plantio até fevereiro. Como elas eram responsáveis pela definição das datas até a última safra, enviaram sugestões de calendário ao ministério com a janela mais curta, mas não foram atendidas. A Agrodefesa, de Goiás, diz que a portaria contradiz os trabalhos técnicos científicos e pode acarretar em sérios prejuízos.

O novo calendário também atendeu a uma outra demanda da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja/MT), para produção em fevereiro das “sementes salvas” que serão usadas pelos próprios produtores na próxima safra. O diretor-executivo, Wellington Andrade, disse que não houve solicitação para estender o calendário de dezembro a fevereiro, mas que a medida abre a janela que a entidade defendia para sementes.

Ele explicou que a maior parte do plantio de soja ocorre em outubro e que haverá uma orientação técnica para os produtores não plantarem em dezembro ou janeiro devido a questões fitossanitárias, de qualidade e operacionais, que já são os meses mais chuvosos na região.

Ao Ministério da Agricultura, o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea-MT) sugeriu a janela até dezembro, mas disse que vai cumprir o que diz a legislação vigente e fará a fiscalização nas datas definidas pelo ministério. O caso pode parar na Justiça. A CropLife Brasil, que representa empresas de sementes e defensivos, ingressará uma ação civil pública para tentar derrubar o novo calendário. Procurado, o ministério não comentou.