Famoso vilão da cesta básica durante a pandemia com a disparada de preços, o arroz não vivia seus melhores dias em anos anteriores, passando por uma queda do consumo e das áreas plantadas no Brasil. Apesar disso, a tecnologia tem impulsionado a produtividade do grão nas lavouras.

Com um território que chega a 1,7 milhão de hectares no Brasil, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o arroz é o 3° cereal mais cultivado no país, perdendo para a soja e para o milho.

Na esfera global, o Brasil o 9° maior produtor do grão, ficando atrás apenas dos países asiáticos. Na região, o ranking é liderado pela China, com uma produção anual estimada em 211 milhões de toneladas, enquanto a do Brasil é de quase 11 milhões.

No país, há também a maior área de arroz orgânico da América Latina, que fica em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Apesar do dado, essa produção anual ainda é pequena no Brasil, estimada em 12 mil toneladas em 2021, um número quase mil vezes menor do que a do arroz tradicional.

Em 2020, com a pandemia, o Brasil exportou 26% a mais do que o ano anterior. Mesmo assim, esse volume não passou de 10% do que foi colhido, apesar de na época, parte da população ter receio de que o país sofresse um desabastecimento por causa da alta dos embarques.

Os estados brasileiros que mais contribuem com estes números são Rio Grande do Sul e Santa Catarina, correspondentes a 70% e 10% de toda a produção respectivamente, aponta a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).

O arroz é uma cultura essencialmente de verão devido à importância da luz durante seu período reprodutivo. Por isso, seu plantio começa geralmente em setembro e tem a colheita entre fevereiro e março, explica o presidente da Federarroz, Alexandre Velho.

A produção do arroz é realizada de duas maneiras:

Muito presente na produção de arroz de estados como o Tocantins, que é o terceiro maior produtor do grão no Brasil, o método de sequeiro já predominou no país, mas tem puxado a perda de território das plantações, afirma o pesquisador em Genética e Melhoramento de Arroz da Embrapa, José Manoel Colombari.

Isto acontece, principalmente, pela inserção da soja nestas áreas e pela alta produtividade do arroz irrigado.

“No arroz irrigado a gente tem muito mais previsibilidade. Tem água durante todo o ciclo, luminosidade, que o arroz gosta muito. E, com isso, você consegue integrar altas produtividades e alto rendimento de grãos inteiros”, diz o pesquisador.
A irrigação, além de permitir maior controle durante a safra, também dá uma vantagem biológica ao arroz em relação a ervas daninhas, como conta Colombari:

“Quando você entra com a água em um ambiente irrigado só o arroz sobrevive. Ele tem uma estrutura em que o oxigênio entra pela folha e vai até a raiz. As folhas daninhas não, elas morrem”.

O Brasil é produtor de diferentes tipos de arroz. Além dos mais consumidos, como o agulhinha, integral e parboilizado, há os chamados “arroz pigmentados”, que incluem espécies como o vermelho e o negro, que tem 15% mais proteínas do que o arroz branco polido.

Porém, estes gêneros ainda possuem um consumo pequeno no país, abastecendo somente 1% da população, com 120 mil toneladas ao ano, segundo pesquisa realizada por Colombari.

Por que a área plantada diminuiu?

A área plantada do arroz diminuiu mais da metade em 17 anos, segundo dados da Embrapa, sendo que em 2004 o território do grão era 3,7 milhões de hectares e hoje é estimado em 1,7 milhão.

A diminuição da área é um argumento muito comum quando se fala em preço do arroz, porém ela não tem uma relação direta com a questão, segundo o professor da Esalq/USP e pesquisador do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, Lucilio Alves.

A área plantada é responsável pelo ajustamento da oferta, de acordo com o professor. Como por exemplo, uma grande elevação da produção, superior à demanda, poderia criar uma sobra dos grãos, o que derrubaria os preços. Mas, o impacto seria apenas a longo prazo e logo haveria uma redução das plantações.

O motivo para essa redução é que os agricultores estavam ganhando pouco comparado ao que investiam, o que fez com que fossem saindo do setor, conta o gerente da Conab, Sergio Roberto dos Santos.

Santos define a produção do arroz como complexa:

“O arroz, ele tem um gasto energético maior, (exige) mais máquina, mais tempo de máquina. Tem a própria questão de inundação da lavoura, porque, dependendo da localização, você tem que gastar para bombear e drenar a água”, diz.

Além disso, o arroz também exige muita mão de obra, de acordo com o gerente.

Outro fator que encarece a produção é a questão das áreas não pertencerem aos produtores, mas serem arrendadas, conta o pesquisador da Embrapa, José Colombari.

Considerando a última safra, o custo da plantação por hectare saiu em média R$ 10 mil no Rio Grande do Sul. Para este ano, a expectativa é de um aumento de 30% deste valor, por causa da alta do preço dos fertilizantes, conta o presidente da Federarroz, Alexandre Velho.

Enquanto isso, outras culturas saem mais em conta para o produtor, como a soja que em 2020 teve o custo por hectare estimado em R$ 4.291, segundo o Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária.

Para Colombari, a soja empurrou quase todas as produções para a safrinha, que é a plantação de um ciclo mais curto no período da entressafra.

Com isso, ela passou a ser o item principal na rotação de culturas, mas apenas nas áreas de sequeiro, já que não tem resistência a água para infiltrar-se nas plantações inundadas.

Como a produtividade do arroz aumentou?

A produtividade do arroz tem aumentado ao longo dos anos.

Para o pesquisador da Embrapa, Colombari, o aprimoramento técnico do agricultor foi fundamental para isso: “O produtor está cada vez se especializando mais em relação ao manejo da cultura, que é o momento de entrada da água, e a tecnologia de controle de plantas daninhas”.

Ele também explica que o uso de algumas tecnologias permite que os agricultores diminuam de 6 para uma a aplicação dos agrotóxicos, o que reduz o custo da produção e amplia a eficiência.

O melhoramento genético também é considerado uma vantagem do arroz brasileiro. Segundo Colombari, a Embrapa coloca no mercado 150 kgs a mais de grão genético por ano, o que rendeu mais de duas toneladas considerando em 20 anos.

Ele explica que é por meio deste tipo de tecnologia que os produtores têm reduzido os ciclos da cultura para mitigar os riscos de deficiência hídrica, o que impacta diretamente na qualidade final do arroz.
MST e o arroz orgânico
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem a maior área de arroz orgânico da América Latina, de acordo com o Instituto Rio Grandense de Arroz (Irga).

Segundo dados do MST, este plantio conta com 2.740 mil hectares em 11 municípios do Rio Grande do Sul e envolve 389 famílias em 12 assentamentos. Para a safra 2020/21 os trabalhadores estimam uma colheita de 12,4 mil toneladas.

A iniciativa, nasceu na década de 90, quando os produtores entenderam que os custos da plantação convencional eram altos e, por isso, voltados mais para as grandes empresas, como explica a produtora rural Alcinda Soares Ribeiro.

Os trabalhadores participaram de especializações para conseguir fazer o manejo correto da lavoura. Atualmente o projeto conta com uma parceria com o Irga, que auxilia principalmente na troca de conhecimento.

Hoje, a comercialização do grão, que alcança todo o país, ocorre principalmente com auxílio das cooperativas regionais. O MST também fornece arroz para escolas públicas por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

O grão também é usado em cestas básicas entregues a famílias em situação de vulnerabilidade do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Além disso, existe o consumo por hospitais, universidades, institutos federais e Forças Armadas.

Como se faz arroz orgânico?

O MST produz principalmente o arroz agulhinha e o cateto, mas também já começa a arriscar em outros tipos de arroz, como o vermelho.

Toda a produção é organizada com o Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, formado por 20 pessoas, que ficam responsáveis de tomarem as decisões do projeto e as informarem aos demais membros.

“É onde se discute quanta área vamos plantar, quantas sementes vamos precisar, quanto adubo orgânico vai. É um grupo menor que depois repassa as informações para as outras famílias e faz a distribuição”, explica Alcinda Soares Ribeiro.

A maior diferença na produção do arroz orgânico é o fato de não usarem agrotóxicos, fertilizantes ou adubos industrializados, conta a produtora. O combate a pragas é feito apenas com a água da inundação.
Já para substituir os fertilizantes, a terra é preparada com a incorporação da palha de plantios anteriores e são usados adubos naturais.

Isso ajuda na redução dos custos, que giram em torno dos R$ 6 mil por hectare, quase metade dos gastos na produção do arroz industrializado.

Mas, em paralelo, a produtividade por hectare também é um pouco menor, girando em torno dos 4,6 kg, segundo dados do movimento. Enquanto no plantio comum, a produtividade em 2019 foi estimada em 6 kg de arroz em casca por hectare, de acordo com da Embrapa, 24% maior do que a do arroz orgânico.

Queridinho do brasileiro?

Ao longo dos últimos anos o consumo per capta do arroz vem reduzindo, segundo o gerente de Inteligência, Análise Econômica e Projetos Especiais da Conab, Sérgio Roberto dos Santos.

De acordo com Santos, na primeira década dos anos 2000 o consumo do arroz estava em torno 12 milhões de toneladas, já em 2020 este número ficou na casa dos 11 milhões.
O pesquisador observa que a demanda do consumo do arroz é proporcionalmente contrária à renda do brasileiro: quando a população está ganhando mais, o consumo dele diminui e vice-versa.

O aumento das refeições na rua também impacta em um menor consumo do arroz, segundo Santos.

Mas, em 2020 tudo mudou. Com a pandemia do coronavírus, houve uma retração da renda e as pessoas ficaram mais em casa. Estes fatores impulsionaram a compra do produto.

A grande demanda, por sua vez, levou a preços mais caros em 2020. O aumento foi puxado também pelos elevados custos da produção e a alta do dólar, que incentivou a exportação do grão, que teve um crescimento de 26%, depois de uma queda quase em mesmo volume (20,84%) em 2019, segundo dados da Embrapa.

Na safra de 2020/21 a área não retraiu por causa da maior procura. Segundo Santos, o aumento do consumo levou a um reajuste de preço do arroz e com isso uma reconstituição da rentabilidade do produtor, o que manteve o seu interesse no grão.

Já para 2021, a Conab está projetando o retorno da retração, mantendo o consumo em 10,8 milhões de toneladas. Na estimativa, a organização vê um cenário de retomada da economia ainda este ano.