A diversidade na produção de café pelo mundo está ameaçada pelo aquecimento global. O alerta foi feito durante o 2º Fórum Mundial de Produtores de Café realizado em Campinas (SP). Economista e professor da Universidade de Columbia (EUA), Jeffrey D. Sachs divulgou, nesta quarta-feira (10), estudo sobre o panorama mundial do setor e ressaltou o risco de extinção de áreas de plantio devido ao aumento nas temperaturas.

Sachs se surpreendeu ao ver que o Brasil e o Vietnã são responsáveis por aproximadamente 50% da produção mundial de café, enquanto outros países produtores sofrem com a falta de pesquisas, estrutura e políticas sociais. Por terem menos acesso à informação e investimentos, são os mais vulneráveis diante de cenários de crise e mudanças climáticas.

E estão mais distantes de um desenvolvimento sustentável, que contribua para a redução de problemas ambientais causados, por exemplo, pela poluição química.

"As regiões produtoras estão passando por significativo aumento das temperaturas, 0,2ºC por década. Nos últimos dez anos, 0,3ºC. Estamos colocando tanto dióxido de carbono que estamos acelerando o processo. Áreas não conseguirão mais produzir café com aumento de 2ºC. Muitos países vão sair da região produtora", alerta.

Neste cenário futuro, o Brasil, o Vietnã e todos os demais países perdem com o aumento do custo para produzir em tais condições. "O Brasil está extremamente vulnerável ao aquecimento global porque é uma das potências agrícolas mais importante do mundo", afirma. E os mais "fracos" tendem a perder produtividade.

Para "salvar" esses países - e com eles uma variedade abundante de tipos de café - o economista conclui que a criação de um fundo global de café possa ser a saída para aumentar a produtividade mundo afora e garantir pressão política no combate ao aquecimento da temperatura, que já atinge os agronegócios em âmbito internacional.

"O setor do café tem desafios gigantes para atingir o desenvolvimento sustentável. Existe uma falta de acesso a serviços sociais básicos, crianças não estão na escola, o cuidado com saúde não é adequado, e estão sentindo as consequências das mudanças climáticas. O quebra-cabeças é como levar recursos às regiões produtoras de café, especialmente as de baixa renda", explica.

"O setor vai passar por um efeito negativo diante das mudanças climáticas globais. Países precisam ter voz para protestar contra quem não está fazendo a sua parte", completa Sachs.

O economista atua como diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Instituto de la Tierra da Universidade de Columbia e por cerca de 30 anos trabalhou angariando dinheiro para fundos em diversas áreas, inclusive como consultor da Organização das Nações Unidas (ONU).

Papel das indústrias no fundo global

Na opinião dele, o café como indústria não está em crise. As vendas no varejo vão bem e há consumidores dispostos a pagar altos preços por um café mais exclusivo. Mas a desvalorização dos produtores rurais torna o processo difícil.

"Para a maioria dos países produtores, não é lucrativo. O preço na roça não é valorizado, no varejo ele é dez vezes sobre o que o produtor recebe na roça. Do ponto de vista do produtor existe pobreza, trabalho infantil. Esse é o paradoxo que temos que resolver".

Para dar certo, Sachs defende que o fundo precisa da mobilização das indústrias, que seriam as principais impactadas por uma redução na produção de café mundial. Diz que já percebeu uma sinalização positiva por parte delas.

Com as indústrias à frente da gestão, governos dos países produtores e doadores internacionais teriam um espaço para discutir soluções e viabilizar recursos que seriam usados para socorrer os locais mais críticos.

"Podemos expandir a ciência do café. Investir em cultivares, práticas de irrigação, financiamento. Uma iniciativa pré-competitiva", explica.

O economista propõe como exemplo um investimento conjunto de 10 bilhões de dólares por ano. Parece muito, mas representa menos de 1 centavo por xícara de café vendida. São cerca de 800 bilhões consumidas por ano, segundo os cálculos dele.

"Essa é uma proposta viável. O fundo vai investir socialmente, escolas, saúde, seguros contra choques climáticos. A indústria deve priorizar a proteção social e aumento da produtividade.

"A minha proposta é que as empresas e doadores digam sim e financiem estratégias nacionais. [...] A prioridade seria as regiões mais pobres. Os países pobres. Para que um fundo como este funcione, todos os países devem ter a possibilidade de pedir financiamento".

Sachs destaca ainda que o Brasil tem a maior ciência do café do mundo e poderia contribuir dividindo seu conhecimento entre os países. Além disso, disse esperar do presidente Jair Bolsonaro apoio na questão climática.

Preços baixos

Também uma reclamação constante dos produtores apontada pelo especialista, os preços do café pelo mundo são baixos, e têm mantido uma posição constante nos últimos 30 anos. A crise econômica no Brasil, inclusive, tem papel importante na desvalorização do produto mundialmente.

"Quando a moeda brasileira está fraca, os preços tendem a ser mais baixos. Um período de crise econômica baixa os preços no mundo. Se tem alta econômica, aumenta o preço porque a moeda fica forte", afirma.

Sachs destaca que os preços parecem ainda mais baixos para quem não tem a produtividade aumentada, como é a realidade apresentada no restante do mundo. Ele critica a baixa atuação dos governos.

"Não existe mecanização, habilidades de investimentos. Fazendas de café são em áreas mais montanhosas, difícil de mecanizar. Não está tendo investimento dos governos. [...] O ganho da produção mundial veio do Brasil e Vietnã".

Sobre o Fórum Mundial

A segunda edição do evento com foco em produtores de café pelo mundo reuniu cerca de 1,5 mil participantes de 40 países. O fórum foi criado em 2017 para discutir questões dos cafeicultores com objetivo de buscar alternativas sustentáveis para a atividade cafeeira praticada mundialmente.